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Café no frio: produtores apostam no cultivo do grão no Rio Grande do Sul
Clima não contribui para o desenvolvimento da cultura, mas há consumo de subsistência
Publicado em 05/08/2025 10:08
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Após descobrir mudas de café em Vera Cruz (RS), Diego Weigelt passou a investir na produção do grão — Foto: Arquivo pessoal

O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. E, em tempos de tarifaço americano, talvez nunca tenha se falado tanto sobre isso. Mas o que menos gente sabe é que regiões pouco propensas ao cultivo no país também têm seus cafezais, ainda que apenas para o consumo de subsistência.

É o caso do Rio Grande do Sul, onde o clima frio impossibilita a produção de café em larga escala. No entanto, há regiões no Estado onde o microclima permite o cultivo de pequenas lavouras, que ajudam a manter tradições de plantios de subsistência e até mesmo incentivam projetos mais ambiciosos.

Ter uma plantação de café foi uma “surpresa” para o jornalista Diego Weigelt. Em outubro de 2022, ele adquiriu dois hectares de terra em Vera Cruz, na região gaúcha do Vale do Rio Pardo, tradicionalmente ligada à produção de tabaco. A propriedade estava tomada por matagal e, ao fazer a limpeza da área, ele descobriu três arbustos que davam pequenas frutas vermelhas. “A gente apertava, colocava na boca, para tentar entender o que era, e acabamos descobrindo que era café”, lembra.

Com a ajuda da Embrapa e da Fundação Procafé, Weigelt descobriu que os pés encontrados na propriedade são da variedade arábica Typica, a primeira a chegar no Brasil, em 1727. Outra surpresa foi descobrir que, nos anos 1970, Vera Cruz já havia abrigado uma grande plantação de café. “Encontramos uma reportagem do jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, falando sobre uma lavoura de 5 mil pés de café que existia no município. Ela foi criada por um produtor que trouxe mudas do Paraná, mas não era explorada comercialmente, ele dava os grãos para quem quisesse consumir ou plantar”, destaca.

O projeto original de Weigelt com a terra adquirida era formar um empreendimento de agroturismo, chamado Quinta dos Pirilampos, ligado à culinária e cultura portuguesa. Mas as descobertas das plantas na propriedade incentivaram a inclusão do grão no negócio. Ele então buscou sementes e mudas de diversas variedades para plantar na propriedade, em sistema agroflorestal, para proteger as plantas do clima frio durante o inverno. Hoje, o empreendedor já tem mais de 250 pés de café no local, das variedades Typica, Bourbon, Arara, Iapar, Obatan, Ibc e Mundo Novo, que ainda estão em fase de crescimento e devem começar a produzir em até dois anos.

Segundo Weigelt, um dos objetivos da lavoura é produzir um café orgânico local, que será integrado ao projeto de agroturismo. “Queremos ver outros produtores da região plantarem, quem sabe Vera Cruz não se torne a ‘Capital do Café’ no Rio Grande do Sul”, diz.

Diego Weigelt e as mudas de café descobertas em sua propriedade em Vera Cruz (RS) — Foto: Arquivo pessoal
Diego Weigelt e as mudas de café descobertas em sua propriedade em Vera Cruz (RS) — Foto: Arquivo pessoal

O plantio no Rio Grande do Sul surpreende porque o clima não contribui para o desenvolvimento da cultura. No caso do café arábica, por exemplo, mais tolerante ao frio, a temperatura média ideal para as áreas de produção têm de ficar entre 19°C e 22°C anuais, segundo informações do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Em comparação, na região de Vera Cruz, as temperaturas médias anuais oscilam entre 14,9°C e 25,4°C, informa o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Mas o microclima em algumas localidades gaúchas pode permitir a produção de café. “No caso de Vera Cruz, a região do Vale do Rio Pardo, assim como Vale do Taquari, possui pontos onde o terreno protege de ventos mais gelados ou mesmo da geada, permitindo que o café se desenvolva”, explica Luis Bohn, gerente técnico estadual da Emater-RS.

O sistema agroflorestal, adotado por Diego Weigelt, também é usado em plantios de subsistência de café por pequenos produtores no litoral norte gaúcho, onde a proximidade do mar e os terrenos protegidos da encosta da Serra Geral criam um microclima que permite culturas tropicais, como a banana.

Segundo o gerente da Emater, esses pequenos plantios de café no litoral podem se tornar uma alternativa para os agricultores familiares da região. “É uma ideia que está ‘fermentando”, afirma.

Entre os agricultores da encosta da Serra Geral que mantêm o plantio do café estão Alcides Lopes e sua esposa Ivone Lummertz Lopes. “Aqui as famílias sempre plantaram café, torrando em suas casas mesmo”, diz Lopes, que também é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mampituba.

Assim como a maioria dos agricultores de Mampituba, ele cultiva bananas em sua propriedade. Mas, além do bananal, possui 15 pés de café, que planta para o consumo próprio.

Alcides Lopes e sua esposa Ivone Lummertz Lopes mostram um de seus pés de café em Mampituba (RS) — Foto: Arquivo pessoal
Alcides Lopes e sua esposa Ivone Lummertz Lopes mostram um de seus pés de café em Mampituba (RS) — Foto: Arquivo pessoal

Segundo Lopes, dos mais de 400 produtores rurais de Mampituba, cerca de 100 possuem pés de café em suas propriedades. Os plantios são feitos entre os bananais ou nos fundos de quintais, para ficarem protegidos do vento frio.

O presidente do sindicato afirma que, com a alta do preço do café, alguns produtores locais, que tinham abandonado os plantios, voltaram a cuidar dos arbustos para ter grãos em casa. “A gente sente que tem um pessoal retornando aos hábitos das gerações antigas, de ter o próprio café em casa”, diz.

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