UNIAGRO
Fusão de BRF e Marfrig deve sair amanhã, com apoio dos minoritários
Latache, gestora que questiona transação na CVM, foi também ao Cade criticar poder de mercado da empresa do qual é acionista e pedir venda de marcas
Publicado em 04/08/2025 08:47
Boletim

Por Fernanda GuimarãesLiane Thedim Fernando Torres — São Paulo e Rio

Cerca de 90% dos acionistas minoritários da BRF enviaram antecipadamente seus votos para a assembleia marcada para amanhã (05/08), e a maioria optou por aprovar a incorporação da empresa pela Marfrig, sua controladora. Embora o voto deles não seja decisivo para o sucesso do negócio, dado que a própria Marfrig, liderada por Marcos Molina, terá direito a voto, o endosso dos não controladores tem peso simbólico para a transação, especialmente após a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ter suspendido as duas primeiras convocações a pedido de minoritários.

A união das duas empresas vai criar a MBRF. Juntas, elas somaram uma receita líquida de R$ 152 bilhões nos últimos 12 meses.

Depois que Previ e um membro da família Fontana — dos antigos donos da Sadia — desistiram de contestar a relação de troca e alguns terem vendido seus papéis, a gestora Latache agora figura sozinha entre os minoritários que buscam o regulador contra a transação. O Valor apurou que há mais um pedido da gestora sobre o caso na CVM. Desde a renúncia de João Pedro Nascimento, a diretoria do órgão está sem dois de seus cinco membros.

No fim de semana, conforme antecipado pelo Pipeline, site de negócios do Valor, foi divulgado o mapa dos 549 milhões de votos que foram enviados antecipadamente, e que equivalem a 34% do capital total, e de 90% das ações dos minoritários. Entre os votos apresentados, 43,8% aprovaram a transação, 17,4% foram contra e os demais se abstiveram. Amanhã, dos 10% de acionistas minoritários restantes, menos de 1% se registrou para votar, conforme o Pipeline.

Alguns minoritários se surpreenderam com os termos da transação, anunciados em 15 de maio, prevendo que cada ação da BRF dará direito a 0,8521 ação da Marfrig, considerando ainda a distribuição de R$ 3,5 bilhões de dividendos da BRF e R$ 2,5 bilhões na Marfrig (valores ainda sujeitos a ajustes a depender do direito de recesso). Isso porque, com base na cotação dos papéis na véspera do anúncio, poderia se presumir um equilíbrio na troca.

 

Essa não foi, porém, a situação da Latache. O Valor apurou que a gestora comprou quase 4 milhões de ações da BRF, num valor aproximado de R$ 80 milhões, somente depois do fato relevante sobre o negócio. Ela entrou, portanto, já sabendo dos termos e com intenção de litigar para eventualmente lucrar em caso de revisão da relação. Entre gestoras de “special situations”, como se posiciona a Latache, essa prática não é considerada incomum, segundo fontes ouvidas pelo Valor.

Mas o caso da Latache tem outros ingredientes. Um fundo da gestora, na condição de acionista da BRF e da Marfrig, entrou na semana passada junto com a concorrente Minerva no processo que ela move contra a fusão no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) — e que agora será analisado no rito ordinário, mais longo, no órgão antitruste, principalmente pela participação cruzada do fundo árabe Salic na Minerva e na BRF.

 

Grande poder

 

O fundo da Latache alega que Marfrig e BRF vão ter muito poder de portfólio e pede que elas vendam marcas para concorrentes menores. O fato de um acionista de uma empresa recorrer ao Cade para criticar a força de mercado da sua própria companhia é visto como inédito por agentes de mercado, que apontam também possível questionamento legal do ato.

Outro tema recente envolvendo a Latache tem relação com seu fundador Renato Azevedo. Embora seja conhecido como principal nome da gestora, desde 20 de junho ele deixou de ser diretor presidente da companhia. Isso ocorreu após a Anbima negar seu pedido de dispensa de certificação necessária para atuar nesse posto.

Ele apresentou comprovação de experiência internacional na gestão de recursos, por meio da Muckroe Enterprises Inc., mas o regulador entendeu que nessa empresa ele fazia essencialmente gestão de recursos próprios e que, mesmo que fossem de terceiros, o prazo mínimo de sete anos não teria sido atingido. Renato Azevedo chegou a entrar na Justiça para reverter a decisão da Anbima, mas seu pedido foi negado em 26 de maio por uma juíza de primeira instância, e foi alvo de novo recurso.

Na CVM, a situação da Latache é regular, e o diretor responsável registrado é Marcel Cecchi. Como pessoa física, Azevedo também tem registro como administrador de carteira no regulador.

Procurada pelo Valor para tratar da atuação no caso da BRF e também sobre o processo na Anbima, a gestora enviou a seguinte nota: “o Diretor Presidente, sócio e responsável pela gestão dos fundos da Latache, Marcel Cecchi, diz que a Latache não irá comentar.”

Nos primeiros pedidos de suspensão de assembleia da BRF que a CVM deferiu, o principal argumento era sobre falta de transparência sobre como os comitês independentes teriam chegado ao valor de troca de 0,8521 por ação. No primeiro momento, os documentos foram apresentados, mas com tarjas pretas escondendo os pontos mais relevantes.

Desde 15 de julho, Marfrig e BRF tornaram públicas as atas de todas as reuniões dos comitês, bem como os laudos e projeções usados na transação. O J.P. Morgan atuou pelo lado da Marfrig, enquanto o Citi assessorou o comitê independente da BRF.

Na documentação consta que as partes usaram diferentes metodologias de avaliação durante a negociação, que o modelo de fluxo de caixa descontado prevaleceu, mas que houve negociação sobre as premissas. Na primeira proposta da Marfrig, a relação de troca daria a Marcos Molina, controlador da Marfrig, 51% da empresa combinada.

Na primeira contraproposta da BRF, Molina ficaria com 36% da empresa. No fim da negociação, a fatia ficou em 41,5%. Isso antes de Molina ter adquirido mais ações nos últimos meses, o que deve elevar sua participação para perto de 50% da nova empresa.

Comentários
Comentário enviado com sucesso!