Presidente celebrou 1º ano de seu governo junto dos produtores rurais e voltou a reforçar breve eliminação das retenciones
Em que Argentina o agronegócio se desenvolve um ano após a posse de Javier Milei? Os recortes têm sido os mais variados - e quase sempre todos alimentando polêmicas análises - mas, inevitavelmente, todos eles convergem para uma mesma conclusão: esta é, sem dúvida, uma Argentina menos insegura para o produtor rural.
"Tendo assumido uma economia à beira da hiperinflação, Milei cortou a taxa de inflação mensal de 26 por cento em dezembro passado para 2,7 por cento em outubro. O peso cronicamente depreciado — que Milei comparou a "excremento" no ano passado — se fortaleceu significativamente em relação ao dólar do mercado paralelo nos últimos seis meses. Desde sua eleição, os preços dos títulos soberanos da Argentina, há muito em dificuldades, praticamente triplicaram", traz um trecho de uma reportagem especial do jornal Financial Times. "Ele também cortou os gastos públicos para entregar um superávit fiscal primário todo mês este ano — após mais de uma década de déficits ininterruptos — sem desencadear protestos generalizados ameaçados por seus oponentes".
O primeiro ano do governo de Milei se deu nesta terça-feira, 10 de dezembro, e na ocasião o presidente se voltou a um dos principais pontos de atenção do agronegócio argentino: as retenciones. Em um vídeo compartilhado nas redes sociais, Milei voltou a falar sobre as mudanças-chave que espera continuar implementando na nação sul-americana de modo a atender as necessidades mais urgentes da economia e da sociedade argentina. Veja o vídeo completo:
No mesmo dia, participou de um evento na sede da SRA (Sociedade Rural Argentina), onde novamente se voltou aos agricultores afirmando que permanece em seu horizonte a diminuição ou eliminação - a depender do produto - das retenciones. O encontro reuniu mais de 400 produtores rurais e lideranças do campo, segundo informou o portal argentino Infocampo.
Em seu discurso, o presidente lembrou que parte desta, que foi uma de suas promessas de campanha, já foi cumprida, com a extinção do tributo para alguns cortes de carne bovina, para suínos e produtos lácteos, além da redução da taxa entre as exportações de outras proteínas animais.
"Queria estar hoje presente com um dos setores mais importantes da Argentina, um setor de vanguarda, um setor que, apesar dos diversos obstáculos e complicações que teve que enfrentar, continua ser, ao longo da história, o setor mais competitivo do mundo", disse Milei em seu discurso de abertura do evento da SRA nesta terça-feira. Portanto, tenho toda a admiração por vocês, pela forma como continuam suportando isso. Não poderia deixar de estar aqui, é uma forma de agradecer por tudo que vocês estão fazendo", complementou o presidente argentino.
Na sequência, o chefe de estado seguiu lembrando que, desde que assumiu, mais de 20 medidas ligadas ao agronegócio já foram colocadas em prática e que a questão das retenciones, todavia, não foi esquecida. "Eu prometi que elas seriam eliminadas na medida em que a Argentina voltasse a crescer. E a economia da Argentina está em um claro processo de expansão. Portanto, na medida em que conseguirmos consolidar esta tendência ao longo do próximo ano, mais a redução das despesas públicas, não tenham dúvidas de que um dos impostos que vamos atacar serão as retenciones, na fonte", disse.
Luis Caputo, ministro da Economia da Argentina, reforçou as palavras da Milei e foi taxativo. "Viemos para acabar com as retenciones. Elas vão desaparecer para sempre", disse, referindo-se ainda ao caminho que vem fazendo o imposto PAIS, que aos poucos também tem sido extinto, conforme outra promessa de campanha de sua equipe.
"Estamos cumprindo tudo o que dissemos na campanha. Tenham certeza de que também cumpriremos o que foi dito sobre as retenciones. Vamos fazer o impossível para que isso aconteça no próximo ano, estamos trabalhando para isso, se não o fizemos antes é porque não queremos descuidar do equilíbrio geral", concluiu Caputo.
O "VALOR" DAS RETENCIONES
Um estudo da BCR (Bolsa de Comércio de Rosario) mostrou que, apesar das promessas renovadas da equipe de Javier Milei, as retenciones ainda têm uma influência direta e uma importância inegável dos valores arrecadados para garantir que a trajetória de recuperação da economia da Argentina continue e que o tão sonhado superávit fiscal do país possa ser alcançado.
Considerando dados acumulados do período de janeiro a novembro e os cálculos de Tomás Rodríguez Zurro y Emilce Terré, pesquisadores da BCR, o ano de 2024 deverá se encerrar com uma arrecadação próxima de US$ 5,5 bilhões com o garatido pelas tarifas de exportação pagas pelos produtores rurais, isso contabilizando apenas as seis principais culturas - soja, milho, trigo, girassol, cevada e sorgo.
O montante é 80% maior - ou US$ 2,5 bilhões mais alto - do que se arrecadou em 2023 com as retenciones.
Gráfico: Bolsa de Comércio de Rosário
Segundo a instituição, o principal fator que condiciona este salto da receita é a recuperação produtiva do ciclo 2023/24, depois das perdas expressivas das últimas temporadas em função de adversidades climáticas bastante severas pelas quais passou a Argentina. Ainda assim, a bolsa ressalta também que embora o valor seja recomposto em relação ao ano passado, ainda fica abaixo de 2021 e 2022, parte disso sendo justificada pela queda dos preços internacionais das commodities, com preponderância, neste caso, maior da soja.
Do total que a Argentina arrecada com as retenciones, 80% vem do complexo soja, ou seja, incluindo soja em grão, farelo, óleo e biodiesel. O total gerado chega a US$ 4,44 bilhões. Na sequência, está o milho - com US$ 577 milhões - e o terceiro vem o trigo, com US$ 246 milhões. Veja, mês a mês e cultura a cultura, quanto o governo arrecadou com os "direitos de exportação" dos principais complexos agroindustriais:
Tabela: Bolsa de Comércio de Rosário
ALÍVIO x ANSIEDADE
"Depois do primeiro ano de governo de Javier Milei, no setor agrícola há um sentimento de alívio mas, ao mesmo tempo, de ansiedade. Alívio porque a política do Kirchnerismo de intervenção nos mercados de grãos e carne bovina foi deixada para trás. Ansiedade porque, para além das medidas que deram uma rotação de 180 graus à atividade, os produtores aguardam o prometido fim dos direitos de exportação para todos os produtos", traz o artigo de Fernando Bertello, jornalista argentino, no jornal La Nacion.
Bertello ouviu o presidente das Confederações Rurais Argentinas (CRA), Carlos Castagnani, que afirmou que a instituição tem monitorado de perto todas as ações tomadas - e principalmente efetivadas - pelo novo governo neste último ano.
"Um ano se passou desde a posse de Javier Milei como Presidente da Nação, um evento que marcou uma ruptura na política argentina com sua promessa de mudanças profundas e uma mensagem contundente contra a corrupção, o desperdício estatal e as restrições às liberdades individuais. Desde o CRA acompanhamos de perto esse processo, analisando as políticas aplicadas e seus efeitos no setor agrícola, na economia e no interior produtivo. Continuaremos a afirmar que as retenciones continuam a ser um dos principais encargos que sufocam o setor agrícola e retardam o seu potencial de desenvolvimento. Da CRA expressamos a nossa forte rejeição deste imposto injusto e distorcivo", disse ao La Nacion.
A publicação ainda recebeu da Secretaria de Agricultura uma série de ações que foram colocadas em prática durante este primeiro ano de gestão:
- eliminação dos volumes de saldo que afetam a venda de trigo e milho ao exterior;
- retirada definitiva, após sua queda em 31 de dezembro, da proibição à exportação de sete cortes populares de carne bovina;
- liberação, após 22 anos, do preço da erva mate que os produtores recebem, medida que ainda assim tem gerado desconforto no setor e um conflito nos dias de hoje em Misiones pelos baixos valores cobrados;
- revogação de 160 regulamentos da Senasa e 63 do Ministério da Agricultura;
- simplificação, por meio de resolução do Senasa, que aceita equivalências de outros países para substâncias fitossanitárias ativas;
- redução das tarifas de importação de equipamentos de irrigação e seus principais componentes e a redução das tarifas de importação de fertilizantes e herbicidas.
Além destas, o La Nacion também destacou que, na pecuária, "a rastreabilidade individual eletrônica foi promovida como uma mudança histórica para que a partir de 1º de março se avance na picagem que deixa para trás o atual sistema analógico. Até 1º de julho de 2026, todo o rebanho deverá ter rastreabilidade eletrônica. Todo este primeiro processo será custeado pelo Estado com um empréstimo do Banco Mundial".
E apesar disso tudo, as retenciones seguem no centro das preocupações dos produtores rurais argentinos, o que os mantêm, portanto, ansiosos e cautelosos para planejar investimentos, novas estratégias, aumentos de área, entre outras práticas, inclusive para se adequarem às novas normas que foram estabelecidas para alguns setores. E são as retenciones as responsáveis por enxugarem ainda de forma preocupante - e até mesmo injusta - a rentabilidade destes profissionais, encarecendo seus custos de produzindo e limitando sua competitividade de forma bastante expressiva.
"O setor precisa, urgentemente de redução da elevada carga tributária. As retenciones nas exportações, principalmente de trigo, soja e milho, continuam a ser um grande problema quando se trata de nos considerarmos produtores competitivos e com projeção", afirmou também ao La Nacion, Andrea Sarnari, presidente da FAA (Federação Agrária Argentina). "Contribuímos durante 22 anos ininterruptamente com direitos de exportação, é hora de remover de nós um fardo tão distorcido".
O presidente das Confederações Rurais Argentinas, Carlos Castagnani complementa. "Reconhecemos que houve progressos em alguns aspectos, como a simplificação de procedimentos e a implementação de incentivos específicos para a produção leiteira e algumas economias regionais; faltam medidas estruturais. Precisamos de uma política mais abrangente que considere todas as cadeias produtivas e promova o desenvolvimento das economias regionais. As promessas de uma reforma fiscal abrangente não foram cumpridas neste primeiro ano e a pressão fiscal continua insustentável. Não pode haver desenvolvimento sem um esquema tributário que deixe de punir o campo e quem investe na geração de riqueza".
O CAMINHO A FRENTE
Em todos os seus mais recentes discursos, Javier Milei tem reforçado a necessidade que ele e sua equipe têm de dar sequência ao seu planejamento com medidas austeras e que, a princípio, controlem os problemas mais agudos. Entre eles, esteve em destaque a inflação. Os cortes de subsídios e alguns programas sociais aumentaram o custo de vida de parcelas da população argentina, porém, estavam, por exemplo, entre as mazelas mais urgentes da economia da Argentina e que precisavam de um remédio amargo, mas de solução dinâmica. Especialistas afirmam que Milei ter começado a caminhar o longo caminho à sua frente pela "macroeconomia" foi uma virtude.
Ainda como apontou a reportagem do Financial Times, o presidente fez boas escolhas ao definir suas prioridades estratégicas. "Milei priorizou o combate à taxa de inflação da Argentina acima de tudo. Sua principal estratégia tem sido "levar uma motosserra ao estado", como diz seu slogan, cortando gastos de 44% para 32% do PIB. As maiores economias vieram de cortes em pensões, obras públicas, salários do setor público, subsídios de energia e transporte e programas sociais. Após uma grande desvalorização inicial em dezembro passado, Milei e Caputo mantiveram a taxa de câmbio oficial controlada pelo governo do peso estável, desvalorizando em apenas 2% ao mês. Eles injetaram cerca de US$ 15 bilhões no sistema financeiro por meio de uma generosa anistia fiscal que atraiu os argentinos a depositar dólares que haviam escondido sob colchões ou em bancos no exterior. Isso reduziu a demanda por dólares do mercado negro e aliviou a pressão sobre a taxa de câmbio".
"A queda da inflação, a queda do risco-país, o superávit financeiro, é o que ele ordenou, o que dissipou a névoa na Argentina e o que permite que todos nós agora nos vejamos e comecemos a jogar em um campo mais limpo. Não isento de riscos, mas mais claro. Outro ponto a favor é que não há restrições quanto à obtenção de insumos, o que no ano passado foi uma ameaça para a obtenção de uma cobertura, de um herbicida, etc. Ainda com taxas que não são muito adequadas, mas apareceu o financiamento e os bancos ligaram para oferecer crédito quando antes era preciso sair e pedir", explica o consultor Teo Zorraquín, ao jornal La Nacion.
Milei, durante suas falas sobre o primeiro ano de governo trouxe não só ao agronegócio, mas à Argentina de uma forma geral, a contínua mensagem de que segue trabalhando pela economia do país, para que todo o restante sinta os bons ventos.
"Se cumpri o ano passado com a economia em contração, imagine com a economia em expansão. Por isso, espero poder regressar no próximo ano e que todos possamos comemorar que temos uma economia muito melhor, em crescimento, com uma inflação em baixa, com uma pobreza que continua a diminuir porque hoje as estimativas mostram que reduzimos a pobreza em mais de 11 pontos percentuais em relação ao pico ocorrido entre dezembro e janeiro, e poder comemorar a redução das retenções. Vejo vocês no próximo ano, na esperança de comemorar boas notícias", disse o presidente argentino.
Assim, já é sabido pelo outsider da política que foi inúmeras vezes elogiados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) por sua postura frente aos desafios que encontrou em uma das mais fragilizadas economias da América do Sul, que mais do que "¡Viva la libertad, carajo!", o que os produtores rurais argentinos querem ouvir o quanto antes é "retenciones eliminadas". O resto é lucro e resultado.