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Depois de dois anos de redução no plantio, preço do feijão subiu em 2019
25/06/2019 08:55 em Notícia

Nos primeiros meses do ano, saca de 60 quilos chegou a valer R$ 400; na ponta do consumidor, quilo do grão chegou a custar R$ 10 em alguns locais

A paixão dos pais pela capital que nascia no Planalto Central, o Plano Collor e o desejo de voltar ao campo transformaram o engenheiro mecânico Carlos Oberto Correa da Costa, filho de cafeicultor, em um dos grandes produtores de feijão do noroeste  mineiro, que tem como referência Unaí. A região lidera a produção nacional de feijão, com 243.500 toneladas por ano e área plantada de 99.600 hectares.

A família vendeu a fazenda no Triângulo Mineiro e se mudou para Brasília. Em 1985, já formado, Carlos decidiu se tornar produtor rural: comprou uma propriedade de 360 hectares em Cabeceira Grande, então comarca de Unaí, e começou a criar gado de corte e plantar arroz e soja. Na época, não havia estradas para chegar à fazenda nem energia elétrica. Cabeceira Grande é o único município mineiro que faz divisa com o DF e está a 50 quilômetros da capital federal.

O confisco de valores acima de 50 mil cruzeiros novos (cerca de R$ 5 mil) depositados nos bancos, que foi decretado pelo Plano Collor em 1990, o obrigou a vender todo o gado para pagar um financiamento. Foi aí que entrou definitivamente em sua vida o grão que faz diariamente dobradinha com o arroz na mesa da maioria dos brasileiros.

“No início dos anos 1990, plantei 90 hectares de feijão. Choveu direto 42 dias e eu perdi toda a safra, mas não desisti. Dois anos depois, com a compra do meu primeiro pivô de irrigação, consegui uma produtividade excelente num ano de preço bom do feijão. Aí criei verdadeiro amor”, conta o produtor, que planta geralmente 2 mil hectares de feijão-carioca por safra, além de soja e milho, na Fazenda Santa Matilde e em mais três áreas da região, somando 11 mil hectares.

A paixão, é claro, também traz sofrimento. Carlos confessa que a instabilidade do comércio do feijão tira seu sono muitas noites. “É um estresse só, do dia em que planto até o dia em que coloco o dinheiro da venda no bolso”, diz, contando que é necessário vigiar todos os dias para manter o visual da lavoura e garantir a qualidade dos grãos, que devem ser claros, grandes e inteiros, para atender à exigência do consumidor.

Pelo fato de o feijão-carioca não ter mercado externo (só brasileiros consomem esse tipo no mundo), os preços sofrem variações intensas. “Se tem muito feijão no mercado, o preço cai e desestimula o produtor a plantar novamente. Se falta feijão, o preço sobe, mas aí muitos aventureiros resolvem plantar e o mercado se desequilibra novamente.” É uma gangorra que desnorteia os agricultores.

Na última safra das águas, semeada em outubro e novembro e colhida em janeiro e fevereiro, Carlos e boa parte dos produtores diminuíram a área em vista das condições climáticas e baixo preço do grão nos últimos dois anos. Resultado: faltou feijão. O preço pago pela saca nos primeiros meses deste ano, que chegou a R$ 400, ainda arranca sorrisos do produtor, que tem muito feijão estocado. A Santa Matilde tem capacidade para armazenar 120 mil sacas de feijão. O consumidor, por sua vez, reclama do preço alto no varejo, que ultrapassa R$ 10 o quilo.

Graças aos bons resultados do carioca, o produtor de Cabeceira ainda não se anima a cultivar outros tipos de feijão, como faz seu amigo Regis Wilson Nunes Ferreira. Incentivado pelo Ibrafe (Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses), fundado em 2015, Regis dispensou o carioca. Hoje, cerca de 60% de sua produção vem do caupi. “O caupi não oscila tanto quanto o carioca, tem mercado externo e, muitas vezes, consigo vender antes mesmo de plantar”, diz.

Os caupis rendem de 25 a 35 sacas por hectare, em comparação às 60 sacas do carioca, mas têm um custo de produção menor, porque usam menos fungicidas e têm ciclo mais curto (70 dias). Regis planta também outros tipos de feijão, como azuki, cranberry e mungo, e tem contratos de exportação com países da Europa e Ásia. O plano é elevar a produção de caupi e investir cada vez mais no mercado externo.

A história de Regis com o feijão vem da infância. Da terceira geração de uma família de agricultores, em 1999 ele deixou a propriedade do pai (25 hectares) no município paulista de Itaí para gerenciar fazendas de grãos em Unaí. Após cinco anos, arrendou na região uma área de 430 hectares e plantou 80 hectares de feijão e 350 de soja. “Deu muito certo e, no ano seguinte, já arrendei o primeiro pivô.”

Hoje, ele e o irmão Robson plantam soja, milho e feijões em 12 mil hectares, sendo 4.500 próprios, com o auxílio de 37 pivôs. “O feijão já está perto de ser nossa primeira cultura em faturamento. A soja paga as contas, mas o que a gente tem veio do feijão. Anos bons de preço e produtividade do feijão é que fazem a cerca mudar de lugar”, diz Regis, que explora 12 fazendas na região de Unaí e mais três na Bahia, plantando, por ano, em rodízio, 6 mil hectares de feijão, 10 mil de soja e 3 mil de milho, com a ajuda de 84 funcionários. A principal área, em Bonfinópolis de Minas, tem capacidade de armazenar 250 mil sacas de grãos por ano. O produtor aponta como divisor de águas do negócio feijão no Brasil a recente organização do mercado. Segundo ele, a oscilação diária de preços e a falta de informações sobre os negócios que estavam sendo fechados levavam os produtores a vender seu feijão aos corretores por preços inferiores aos de mercado e aos custos de produção.

“Agora, trocamos informações o dia todo em vários grupos do WhatsApp sobre preço e condições das lavouras.” Ele considera um bom preço para o produtor valores entre R$ 150 e R$ 200 por saca. “Cobrem o custo de produção, geram lucro para a cadeia e garantem um bom preço para o consumidor.”

Um dos pioneiros na criação de um grupo no WhatsApp destinado ao setor foi o economista paraense Marcelo Lüders, presidente do Ibrafe. Ele conta que iniciou o grupo em 2016 para que produtores e compradores pudessem trocar informações sobre mercado, como preços e ofertas recebidas. Hoje, são cerca de 2.500 membros na comunidade, que troca informações também sobre questões agronômicas, como a aplicação de novas tecnologias.

Na opinião de Marcelo, a volatilidade das cotações poderia ser atenuada se os agricultores não seguissem o “efeito manada” e evitassem expandir o plantio e se os consumidores aproveitassem a alta de preços para “ampliar seus horizontes, testando novas receitas e outros tipos de feijões, que, além dos novos sabores, dependendo da espécie, podem ter mais ferro ou mais zinco”. O fejão-carioca responde por 60% da produção nacional. 

Por ser o mais consumido, o carioca baliza o preço dos demais feijões, como o preto, que responde por 15% do total da safra nacional e tem consumo maior no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Um fator limitante da alta de preços do feijão-preto no mercado nacional é a importação de cereal argentino, que oscila entre 70 mil e 90 mil toneladas por ano. A Argentina também exporta para o Brasil o feijão-branco.

No caso da Região Sul, onde a área cultivada com  feijão foi reduzida em 42% nos últimos dez anos, o presidente do Ibrafe diz que os produtores podem se concentrar na produção de feijão-
preto. “Todos os anos importamos da Argentina. Não faz mais sentido. O amadurecimento do setor levará à diminuição da importação e à busca para exportarmos esta variedade.”

Na opinião do especialista, outra alternativa para os produtores do Sul são os feijões vermelhos e rajados, assim como o azuki. “Tem consumo interno e os excedentes podem ser exportados.” Outro caminho apontado por ele é a rastreabilidade. “Há polos de produção de outros itens do agro que são rastreados na Região Sul e nessas áreas pulses ou colheitas especiais podem vir a ter esse diferencial, de atender às exigências crescentes dos consumidores que almejam saber se foi produzido de forma sustentável e em que condições.”

Um exemplo da retração do cultivo do feijão no Sul é o município de Sobradinho (RS), que em 1982, quando cultivou 5 mil hectares de feijão, se declarou capital nacional desse grão. Com um museu do feijão e ainda mantendo sua festa, Sobradinho é um retrato do que essa vagem faz com seus adeptos: a área cultivada se reduziu a menos de 200 hectares. É verdade que o município perdeu área para cinco distritos que se emanciparam, mas o fato é que só ficou um grande produtor para contar a história. É Tarcisio Cereta, presidente da Associação dos Produtores de Sementes de Feijão do Rio Grande do Sul.

Em dezembro passado, Tarcisio colheu 1.800 quilos por hectare, safra prejudicada pelo excesso de chuva. Mas ficou feliz porque vendeu seu feijão (o preto) a R$ 7 o quilo – para outros produtores que precisavam de sementes confiáveis. Na sequência, usando a área de onde colhera milho, em fevereiro, ele plantou feijão a ser colhido em maio. A expectativa são 2.300 quilos por hectare (a meta a longo prazo é passar de 3 mil quilos). Tarcisio está confiante porque desde 2013 conta com um pivô de irrigação (30 hectares). Seguindo a receita técnica da Emater, ele alterna feijão e soja (leguminosas) com milho, trigo e centeio (cereais).

A família Cereta cultiva feijão-preto há 45 anos. Tem 150 hectares próprios e arrenda mais uns 100 hectares de vizinhos. Já plantou tudo quanto é variedade de semente oficial, mas nos últimos três anos se concentrou na triunfo, lançada pela Fepagro, fundação estadual de pesquisa extinta em 2017. Segundo Tarcisio, a triunfo é de fácil colheita mecânica e dá um feijão bom de panela (“caldo denso, achocolatado, com tempo de cozimento de 18 a 20 minutos”).

Presente na mesa de ricos e pobres, o feijão sofre para superar um velho problema – a erosão genética. “Apenas 15% das sementes de feijão são certificadas”, diz Marcelo Lüders, que lidera um esforço para inserir o Brasil no mercado global de feijões e pulses (ervilha, grão-de-bico, lentilha e outros grãos). Em junho, será realizado, no Rio de Janeiro, um inédito seminário mundial sobre os grãos capazes de gerar caldos nutritivos. A falta de boas sementes deve ser um dos temas centrais.

Nos últimos 30 anos, enquanto a área cultivada com grãos no Brasil cresceu 50%, as lavouras de feijão tiveram redução de 48%. O consumo caiu de 30 quilos por habitante ao ano para 16 quilos, por causa das mudanças nos hábitos da população, que passou a ter menos tempo para cozinhar em casa. Salvou-se a feijoada dos sábados. Em alguns restaurantes, ela é diária, acompanhada por arroz, carne, couve, farofa e laranja picada.

Fonte: Revista Globo Rural

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